
Em 2013, no município de Campo Grande, foi aprovada uma emenda à Lei Orgânica que prevê a aplicação de 1% da receita proveniente da arrecadação municipal. Esse recurso deveria ser destinado para oficinas nos bairros, circulação de espetáculos, formação cultural, divulgação, e também para custear os projetos aprovados dos editais do FMIC (Fundo Municipal de Cultura) e FOMTEATRO (Fundo de Fomento ao Teatro).
A descontinuidade no repasse da verba para o setor da cultura motivou um grupo de artistas a formar o movimento SOS Cultura. Este movimento começou há pouco mais de um ano e desde então vem ganhando mais adeptos à causa. “Duas vezes na semana, a gente ia ali no Paço Municipal e falávamos poesia, fazíamos performances e depois o grupo foi engrossando e a gente continuou indo até que houve essa adesão não só dos artistas de teatro”, diz Roma Roman, artista integrante do Teatral Grupo de Risco. “Não há nas periferias nenhuma atividade, a não ser nós como um grupo independente, estamos circulando em alguns bairros. Mas não há mais nada que se ofereça a essa comunidade. A gente sabe que se a arte não está presente teremos mais e mais violência”, continua Roma. Pessoas próximas, aquelas que já assistiam aos espetáculos ou que gostavam das diversas artes, ajudaram o movimento a crescer. O número de simpatizantes é muito significativo, segundo Roma. “É isso que sempre quisemos, que ele se tornasse um movimento grande, multicolorido. Está servindo pra gente ser mais forte quando estamos todos unidos”.

O que começou com uma pequena quantidade de artistas interessados em difundir a cultura e a sua importância, motivou outras pessoas a integrar ao movimento. No início, ele tinha em vista espaços ociosos que poderiam beneficiar as artes e a comunidade. O foco principal era o Teatro do Paço, localizado na Afonso Pena, inativo desde a sua entrega simbólica em 2009 até hoje apesar de todos os apelos. Mas as ações começaram a ir além de recitar poesia e apresentar peças, passando também a envolver panfletagem e manifestações no centro da cidade e nas praças principais, para alertar a população sobre o que está acontecendo.
Na busca de contribuir para a solução dos problemas, o grupo foi diversas vezes à Prefeitura e à Câmara. “A classe teatral não era consultada, era tudo muito imposto. Foram várias tentativas de dialogar, questionar, tentar conversar a respeito e não foi possível”, pontua Roma. “Os artistas têm uma força interna, que mobiliza, que te faz observar as mazelas que existem e a gente quer influir nisso, a gente está a serviço do nosso público. O estado, o município, aliás, foi ficando cada vez mais empobrecido. Acho que hoje a gente pode falar que a nossa autoestima de campo-grandense está muito baixa, a cidade depredada, abandonada e nós estamos tentando mudar isso”, desabafa Roma. Mas a artista ainda teme esperança de que a união de todos traga frutos duradouros. “Somos um movimento, nós estaremos sempre vigiando para participar, para cobrar, para exigir, que tenhamos o direito de ocupar todos os espaços que sejam públicos. Nós não podemos ser enxotados com agressividade dos espaços aonde a gente vai manifestar a nossa arte. Eu só fiquei mais forte e acho que todos nós também, isso me encheu, me fortificou”, finaliza ela.

Teatro como militância artística
Mais do que uma expressão artística, o teatro é uma forma de expressão cultural, política e social que interfere diretamente na formação, no conhecimento e no senso crítico de quem o assiste. O homem sempre teve a necessidade de representar suas tristezas, angústias e alegrias externadas em forma de arte. Com o teatro de rua, essa arte, antes elitizada, tornou-se mais acessível para a parcela da população que não tem condições financeiras de ir ao teatro. O investimento em cultura possibilita oficinas, peças e apresentações não só em um espaço fixo, mas em praças, centros e bairros marginalizados.
O teatro é necessário e de suma importância para a formação e para o desenvolvimento do senso crítico sobre o que está acontecendo à sua volta. Além de ensinar, desenvolve o crescimento cultural de crianças e adultos. O contato com o teatro nem sempre se dá pela escola ou pela igreja, por isso a disseminação dessa arte é tão importante. Segundo Fernando Cruz, integrante do Teatro Imaginário Maracangalha, é de suma importância a presença da cultura em qualquer bairro. “Uma população sem cultura e sem arte é uma população que se torna violenta, miserável humanamente. Uma cidade sem arte se desumaniza e Campo Grande está sem oficina nos bairros mais vulneráveis”, comenta Fernando.
A iniciativa da classe artística de possibilitar maior acesso à cultura é um ato político frente à má conduta do governo atual. Mesmo sem o apoio da prefeitura, a difusão do teatro e outras formas artísticas ainda têm continuado na capital. A disseminação cultural educa e desenvolve o censo crítico da sociedade.
Yago Garcia é ator e integrante do Teatral Grupo de Risco e do Circo do Mato – Grupo de Artes Cênicas vive de teatro há muito tempo e sempre participou de tudo quanto é movimento ligado à cultura. Para ele, a luta do SOS Cultura é essencial, pois é a cultura que move a sociedade e a falta dela pode trazer muitos riscos para toda uma população. “Eu acho que a política está sendo muito certeira no sentido de ‘negar a cultura’, quando eu nego a cultura, eu faço toda uma sociedade parar. As pessoas não percebem isso ainda, mas a política percebeu e vem tentando mascarar isso da sociedade. Se você não leva a cultura, educação e saúde as pessoas ficam fracas, a mente fica fraca, tudo fica fraco, então fica mais fácil de controlar”, conclui Yago.
Venda da Morada dos Baís
Uma outra questão que o movimento abraçou foi a negociação por parte da prefeitura, para a venda da Morada dos Baís, patrimônio histórico da cidade, que pode vir a ser transformado em um restaurante do SESC. “Enquanto movimento, fizemos uma nota de repúdio baseado em cima de que a Morada é um patrimônio histórico público tombado. Então se ela é um patrimônio público tombado, não deve ser usada pelo comércio privado. Ela é de visitação, é um bem da sociedade, é nosso”, diz Fernanda Kunzler, integrante do Teatral Grupo de Risco. Segundo ela, o movimento fez uma ação de panfletagem na frente do patrimônio, além da nota de repúdio que foi entregue na Assembleia Legislativa da Câmara de Vereadores, Prefeitura e SESC. “A maioria das ações realizadas na prefeitura só vem a nosso conhecimento depois de já terem sido decididas, como é o caso da Morada, então fica mais difícil de agir. Quando fizemos a panfletagem lá na frente pelo menos 99,9% das pessoas que passaram lá ficaram indignadas, não sabiam, uns 40% não sabiam nem que ali era um patrimônio tombado que faz parte da história da cidade”, completa ela.
Fernanda afirma que o movimento agora está mais pautado pela falta de diálogo, encaminhamento e interesse de resolver as questões na área da cultura, reivindicam pautas que aparecem diariamente.