Por Daiana Porto
Esse foi um dos inúmeros gritos que foram proferidos na avenida Afonso Pena, em Campo Grande (MS), no primeiro dia de junho. A manifestação, marcada e organizada através de um grupo na rede social facebook, se concentrou na Praça do Rádio no fim da tarde. A confecção de cartazes e pinturas corporais aconteceu minutos antes do grupo ganhar mais força e subir pela Afonso Pena. As vozes, quase predominantemente femininas, contra a cultura do estupro ecoaram no centro de Campo Grande. (Confira as fotos na galeria abaixo)
O protesto fez parte do ato “Por Todas Elas” que repercutiu em vários cantos do Brasil. São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Rio de Janeiro, Bauru, Maringá, Limeira e Campinas se mobilizaram depois da repercussão da história da adolescente de 16 anos estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro.
O caso aconteceu entre os dias 20 e 22 de maio, mas só ganhou reconhecimento público no dia 24, dois dias depois, quando um vídeo foi publicado e compartilhado nas redes sociais. As imagens mostravam um grupo de homens abusando de uma garota desacordada. Estava aí o estopim para milhares de mulheres e homens se manifestarem contra a cultura do estupro no Brasil.
Mesmo assim, o delegado responsável pelo caso, agora afastado e substituído por uma delegada, e centenas de pessoas afirmavam não ter havido estupro. Em uma conversa num grupo de WhatsApp, o delegado desqualificou o relato da jovem. “Ela teve relação consentida com uma pessoa e não usou drogas ou álcool nesse dia, conforme ela e as pessoas que estavam com ela declararam”. A descrença sobre a existência do crime no relato de uma garota corrobora para a cultura do estupro vigente. O termo Cultura do Estupro foi cunhado pela primeira vez por feministas dos anos 70, usado para discutir a culpabilização (ou descrença) sobre a vítima e a naturalização de atos e comportamentos machistas, sexistas e misóginos.
Segundo o Código Penal Brasileiro em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Mas não é apenas dessa forma que se alimenta uma cultura do estupro ainda tão intrincada em nossa sociedade. Assédio moral ou sexual, cantadas de rua, piadas sexistas, músicas que sexualizam a mulher, a objetificação do corpo feminino escancarado na mídia e em anúncios publicitários e a romantização da conquista a qualquer custo são alguns dos fatores que contribuem para que a vida e o corpo da mulher seja coisificado e agredido.
É difícil entender que estupradores não são somente homens doentes, violentos ou psicóticos armados e escondidos em becos escuros. Homens “normais” que têm amigos e famílias também estupram. Segundo dados do IPEA e do Ministério da Saúde, são 500 mil casos de estupro no Brasil por ano, mas apenas 50 mil são denunciados. Por fim, 50% dos abusos são contra crianças de até 13 anos e, desses, 68% são cometidos por pessoas próximas, como familiares ou amigos.
Não é a primeira vez que uma rede social auxilia e reúne grupos de manifestantes. Os acontecimentos e implicações da Primavera Árabe e as mobilizações da internet em 2011 são os maiores exemplos que temos. Não se distanciando disso, o feminismo tem conseguido reunir, debater e empoderar mulheres em páginas, grupos e eventos que não se limitam apenas à internet. O “Por Todas Elas”, por exemplo, ultrapassou as barreiras do facebook e reuniu milhares de mulheres em todo o país.
Gênero
Susan Brownmiller, autora do livro “Against Our Will: Men, Women and Rape” (Contra a Nossa Vontade: Homens, Mulheres e Estupro), afirma existir o “uso de estupro como uma expressão da masculinidade, indicação de mulheres como conceito de propriedade, e como um mecanismo de controle social para manter as mulheres na linha”.
Afirmações como essa fomentam o debate sobre o conceito e as relações de gênero. Conceitos e comportamentos pré-determinados são incentivados e ensinados a uma criança desde o seu nascimento (pela indústria ou cultura estabelecida pela socialização). Meninos são educados para que sejam corajosos. Por outro lado, meninas são criadas para que sejam delicadas e submissas, que devem ser responsáveis pela casa e pelos filhos. Questões essas facilmente visualizadas em “coisas e brinquedos de menino” e “coisas e brinquedos de menina” e em termos comumente usados como “Homem de verdade não chora”, “meninos são bagunceiros e meninas mais calmas”, “meninos são irresponsáveis mesmo”, “seu irmão pode porque é homem”, “é apenas o instinto sexual do homem”, entre outros tanto.
Os papéis de gênero são uma imposição de uma sociedade patriarcal feita a partir do sexo de nascimento das pessoas, os homens dominam e as mulheres são dominadas. Estupro não é apenas uma prática que provém da vertente do sexo, estupro é, principalmente, como dito acima, demonstração de poder. Estupradores precisam responder por seus atos violentos e a vítima, sempre questionada, não pode ser desacreditada quando há evidências e provas documentais, tal qual fizeram com a adolescente estuprada no Rio de Janeiro. Inclusive a vítima também não pode ser depreciada quando, de provas, há apenas seu relato.
A cultura do estupro existe e se consolida a cada “ela precisa se dar ao respeito”, “ela bebeu até cair e depois reclama”, “ela concordou quando não estava desacordada”, “ela gosta de ouvir elogios na rua”. Temos que propagar aos quatro cantos do mundo que a mulher nunca e em hipótese alguma, provoca nenhum tipo de violação. A cultura do estupro é assunto de todos, precisamos falar sobre ela. Tudo o que a constrói e a consolida precisa ser destruído. Não podemos mais permitir que nenhuma vítima seja silenciada